- Este texto me foi enviado pelo amigo Decicote, e eu achei tão incrível e completo em seu embasamento histórico e suas argumentações que achei digno de compartilhar com vocês. Espero que o apreciem tanto quanto eu. -
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"A vida nos faz surpresa agradáveis de vez em quando, apesar da minha fé quase cega de que, sendo a lei de Murphy mais definitiva e atuante que a lei da gravitação Universal de Newton, qualquer surpresa agradável detonará forças e processos que levarão a algum tipo de hematoma. Desta vez não foi o caso.
O citado texto aborda reflexões da querida amiga sobre quando nós, brasileiros, perdemos o sentido de orgulho Nacional, o sentimento de identidade Nacional e o apego pela liberdade. Questões por demasiado complexas. Porém, corajosamente a autora não se sentiu intimidada. Para ela foi o silêncio quase cúmplice dos brasileiros em meio a desastres, inflação, roubos,etc, que detonou processos que a levaram a raciocinar o porquê. No meu caso, mais fortuito, foi o próprio texto dela que me fez pensar onde e se, realmente, como nação, tivemos em algum momento histórico esse tipo de sentimento, de orgulho.
Diferentemente de todas as outras nações somos o único país que se inicia no descobrimento, do zero absoluto, diversamente de todos outros povos civilizados. Não há nada em nosso imaginário anterior a 1500, quando Cabral aporta em uma terra ainda a espera de um nome. Fomos “descobertos” pelo olhar europeu, já participando, mesmo não sabendo, da tradição europeia. Há sempre relatos nas cartas de viagem da época, nossa primeira forma de literatura, de índios que tocavam flautas como o Deus pã, comparando Pajés a “profetas” segundo Thevet (cosmografia universal, 1, vi, 5, f.163) que também imagina reconhecível o curso idêntico do Amazonas ao Ganges. Enfim, ideias e frases povoando o mundo recém-descoberto com as tradições mais antigas do ocidente. O olhar europeu foi o que nos definiu, nos classificou, rotulou e dispôs em prateleiras, atitude normal de quem quer entender a cultura dos outros pela própria, ( típica de conquistadores). Sequer sabemos de forma definitiva a origem de nosso nome, alias o terceiro depois de Ilha de Santa Cruz, pois ainda se desconhecia a extensão e depois Terra de Vera Cruz, para honrar Camões em Os Lusíadas; ”de santa cruz o nome lhe poreis”. Por isso parece pouco provável que o nome tenha vindo da madeira. Antes a madeira “cor de brasa” deve ter servido como um reforço posterior. Com efeito vários mapas bem antigos, anteriores as descobertas das Américas falavam de uma terra brasil, um tipo de paraíso da abundancia. A defasagem e o acerto de contas com nosso passado aumenta a medida que caminhamos, basta comparar com a defasagem entre os brasileiros e seus Hermanos latino Americanos sobre o conhecimento de suas raízes anteriores à colonização, ou melhor, à “descoberta”. Fazem parte do orgulho nacional as tradições culturais pré-colombianas, o culto as tradições indígenas, a redescoberta cultural de aztecas, maias, e ao mesmo tempo, a convivência com as tradições judaico-cristãs europeias e a institucionalização do modelo europeu educacional modificado conforme a necessidade de cada pais e cada povo. Fazem parte desses povos o culto aos levantes, a transformação em tradição de fatos que compuseram o mosaico da vida nacional, os acontecimentos que marcaram a libertação colonial . Aqui, são apenas relatados, a cada levante segundo a região em que aconteceram, e é somente nestes lugares é que fatos, decisivos para a construção nacional de nossa desaparecida identidade são cultuados. Ao invés de estudados pelos alunos do curso médio, a revolução farroupilha, a inconfidência mineira e todas as outras formas de lutas contestatórias são estudadas de forma rápida, sem aprofundamento, sem mostrar realmente a importância na formação Nacional.
As diferenças da colonização.
As formas de colonização tem influência determinante na formação de caráter nacional e no Nacionalismo, para o bem ou para o mal. Será também determinante na falta do mesmo? Um pais assim construído é possível? Robson Crusóe, quando naufraga definitivamente em “sua ilha” (era seu segundo naufrágio) , constrói um pequena “Inglaterra”. Tendo conseguido salvar as ferramentas, armas, bíblia e papel e também caneta, tomou posse assim daquele pedaço de terra transformando-lo de imediato em uma imagem de menores proporções da civilização, ou o que ele conhecia como tal. Levantou sua casa, construiu moveis, e até o sobre primeiro ser humano que conheceu, exerceu de certa forma a licença que foi dada por deus aos homens; o de nomear seus domínios e os animais inferiores. Assim, em uma sexta feira, Robinson exercendo seu poder civilizatório, dado por deus, batiza o novo amigo de sexta feria. A colonização espanhola nas américas foi deste modo também; apressou-se em construir centros populacionais no modelo europeu, construindo e moldando a urbe, transformando na extensão do poder sagrado do monarca, subjugando com mão de ferro aos povos, destruindo sua unidade ao impor a mentalidade severa católico/cristã. Já os portugueses demoraram a se estabelecer nas terras recém encontradas. Primeiro tinham a sanha devoradora/parasitária/extrativista. Vinha ao brasil, trocavam mercadorias pelo trabalho dos índios de recolher a maior quantidade possível do pau brasil, recolhiam vivéres, animais exóticos, praticavam sexo de forma tão desinibida quanto os nativos (o que pós em contato os índios com as doeças europeias, como a sífilis, gonorreia, etc, etc. a falta de imunidade vitimou milhares) e embarcavam às vezes índios, então “consumidos” com avidez pela corte europeia. Mesmo após estabelecer alguns pequenos núcleos de colonização, sequer tentaram impor de forma violenta a língua, normalmente o primeiro passo de todos conquistadores; a língua é portadora da formação cultural, e arma de conquista para subjugar o mais fraco. Por está época tiveram grande importância na colonização os órfãos, chamados de crianças língua; eles eram introduzidos no Brasil, aprendiam os costumes e a língua indígenas e assim contribuíam na comunicação entre o português europeu e a população nativa. Houve nos primórdios da colonização o que se costuma chamar de língua geral, com alguns traços da portuguesas e grande parte das principais línguas indigenas. Ao contrário dos espanhóis, pareciam que os portugueses que aqui vinham, o faziam apenas “de passagem”, como um trabalho a qual lhes obrigada de vez em quando ausentar-se da família e dos luxos da vida moderna europeia. Mesmo então parece que este costume permaneceu entranhado em nosso inconsciente coletivo e que estamos aqui no Brasil apenas de passagem, sem amar a terra e fixar raízes. Interessante é este fragmento de um texto da Revista da USP, do qual tirei muitas das idéias ;
“Parece mais significativa a ironia com que nos presenteou a nossa história em relação ao termo que nos identifica como povo. Estranhamente, não se trata de um adjetivo pátrio, à diferença do que ocorre em outras línguas que não nos chamam com a tal desprimorosa designação profissional. De fato, o sufixo “eiro” que ele porta designa na verdade o sujeito que exerce oficio conhecido. Portanto, em bom português, ser brasileiro é como ser pedreiro, porteiro, sapateiro, bodegueiro; um meio de vida. E até concordaremos que isso se dá frequentemente entre nós. Nas suas origens coloniais, brasileiros eram os marinheiros, os portugueses que vinham “fazer o brasil”, explorar a madeira e os produtos da terra, enriquecer e retornar para a metrópole; “Vá degradado para o brasil, donde tornará rico e honrado”. Dizia fri Vicente do salvador, em 1618. Portugal reservou o termo e o estendeu aos que aqui permaneceram e aos seus descendente. Aceitamos essa impostura passivamente. E permanecemos brasil eirós até hoje. Parece indubitável que isso não se deu sem graves consequências em nosso inconsciente coletivo. Analogamente a outras profissões, brasileiro é assim aquele que vive de explorar o brasil e a sua gente. Essa generalização aprece eticamente espúria. Mas podemos reserva-la como injúria para aquela minoria de donos do poder que efetivamente exercem o ofício habitual de explorar os demais; a imensa a maioria desse pais. Para essa gente imaginemos o verdadeiro adjetivo pátrio, que bem poderia ser brasiliense ou brasilense.....”
EDUARDO DIATAHY B. DE MENEZES. – Professor titular do DFCS/UFC em 1991 – Revista USP nº 12 - Dossie 500 anos da América Pags 79/80.
Desde os primórdios não tínhamos consciência da Pátria brasilense, no sentido que tem a palavra, derivada de um vocábulo latino pater, pai, e patris, terra paterna. Assim colocada, parece que sim, sempre tivemos essa relação; sempre ansiamos por uma pátria/pai, cuja proteção, justeza e bondade fariam dos brasileiros seres abençoados e felizes. Na verdade, nessa aspiração seria necessário usar o termo genitor. Páter, no antigo direito romano, era uma figura jurídica, senhor chefe e com o domínio sobre as propriedade, dos animais, casas ou outras construções. Pai era o donoda patris, do Patrimonium, cujo poder era exercido a partir da residência, ou casa, em latim Domus, formando o Dominium, incluindo também todos que estivessem sob seu poder “patriarcal”, ou pátrio poder” para referir-se ao seu poder legal sobre a família, servos, parentes pobres. Nossa pátria, ou pelo menos a pátria física e espiritual dos nossos primórdios era Portugal. A palavra que definia então o status brasileiro era nação, mas não nação no sentido moderno antropológico, sendo sinônimo de povo ou etnia em sua acepção política, com a constituição do Estado-nação a partir da independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, entendido como estado-nação em todas as suas implicações. Nação vem nascor, (nascer) derivando o substantivo natio, ou nação, parto da mesma ninhada e após a fixação do poder da igreja passou a ser usada no plural nationes(nações). Assim era referido aos pagão, o que os distinguia do “povo”, que logicamente era o povo de deus, o populus dei. Nação significava então apenas a descendência comum, e por exemplo, os judeus, eram chamados de homens da nação, assim como os índios e outros povos como os africanos a quem os colonizadores não reconhecia com direitos políticos jurídicos, que definia o conceito de povo (imaginem só, povo já foi mais importante que nação, hehe).
Desde Sempre mal amados, a nação do brasilenses estavam sempre a mercê do brasil-eiros, que também trouxeram para cá uma parte importante do que hoje constitui o brasil: Os negros. Diz Gilberto Freyre que o; “escravocrata terrível que só faltou transportar da África para a américa, em navios imundos, os quais de longe se adivinhava pela inhaca, a população inteira de negros...” Retirados a força de sua nação, vieram substituir a mão de obra indígena que ofereceu oposição passiva (mas nem sempre) contra a escravidão; eles estavam em suas terra, e apenas se embrenhavam mais e mais para longe dos colonizadores. Os então colonizadores portugueses não conseguiam compreender a ingratidão da “nação indígena”. Tão indignos eram, segundo os cronistas religiosos da época, que não possuíam as letras F, L, e R- o que significava que que não possuíam nem Fé, nem Lei , nem Rei".
Continua............
Talento, Decicote. Que aula!