Bem...depois de aproximadamente dois meses, e nós todos termos desistido e esquecido, nosso amigo Decicote retoma o texto sobre o civismo e a sua história a partir da colonização e nos brinda com a segunda parte... ei-la!!
O colonizador português
Portugal formou junto á Espanha uma das maiores potências colonizadoras da época. A geografia foi um fator preponderante, pois os países estavam às portas de um oceano ainda em sua maioria desconhecido dos europeus. Partilhavam e partilham a península Ibérica.
A Península Ibérica, ao longo dos tempos, já foi chamada de vários nomes enquanto era governada por povos distintos. Entre eles, destacam-se os nomes Iberia e Hispania. Iberia foi o nome grego dado à península Ibérica, por mais que eles conheciam somente a parte entorno do rio Íber. Já Hispania era o nome romano da península. A região, depois do período histórico denominado Reconquista, foi se transformando e os muçulmanos foram expulsos. Portugal como estado surge em 1143 e confirmado, mais tarde, pelo Papa Alexandre III pela emissão da Bula Manifestis Probatum. Com o casamento em 1492 entre Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, surge o que depois seria a Espanha.
Países tardiamente incorporados à Europa, Portugal e Espanha são conhecidos pelos historiadores como povos de mentalidades diferentes do resto do continente, mais propensos ao individualismo, ávidos de saber e gozo, onde “cada qual é filho de si mesmo, de seu esforço e suas virtudes”(HOLANDA, Sergio Buarque de - Raízes do Brasil- pag. 32) tendo os portugueses a diferença caracterizada como ”Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do consquistador do México e Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo contemporizador. Nem ideais absolutos, nem preconceitos inflexíveis” (FREIRE, Gilberto – Casa Grande e Senzala – pag. 265) .
A Espanha foi inflexível em sua resolução de assegurar o a supremacia militar, econômica e politica desde o inicio, criando grandes centros em função de sua ganância. “Io no vine aqui para cultivar la tierra como un labriego, sino para buscar oro”, escrevia Cortez. E a percepção de que estavam em uma terra extremamente cheia do “vil metal” se deu pelo encontro com outra cultura antiquíssima, os astecas, cultura que foi dizimada e seu último grande Rei, Montezuma, morto.
Os espanhóis tiveram predileção em colonizar onde o clima mais se parecesse com o da metrópole, logo não se importaram de entrar mata adentro. Também seus núcleos colonizadores eram criados de forma a sujeitar a natureza. A linha reta prevaleceu sobre a geografia. Suas cidades, construídas a partir de formas octogonais, com grandes praças ao centro. Somente depois partiram realmente para a catequização dos povos subjugados, transferiram exércitos e administradores, e já em 1558 era fundada a primeira das várias instituições de ensino.
Os colonizadores portugueses contaram com bem menos condições e uma certa má vontade. Enquanto havia todo um conjunto de regras escritas a ordenar a colonização hispânica, a colonização portuguesa foi irregular. Não havia grande preocupação com essa colônia recém descoberta. A própria carta de Caminha indica um deslumbramento idílico, não econômico; “... Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos......Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.” Os portugueses estavam ainda investindo tudo no comércio de especiarias e um dos lemas dá época era “Jesus e Pimenta”. Onde não tinham a pimenta, ou o comércio de especiarias, o físico, deviam então levar o Espiritual. Mesmo nas colônias da Ásia era seguido o modelo do tipo predatório/extrativista. Quem atendeu ao chamado missionário para a terra de Santa Cruz foi a companhia de Jesus, a quem se deveu a maior parte dos contatos com os índios. A população indígena, extremamente nômade não se prestava ao tipo de escravidão que os colonizadores necessitavam. Também não portavam amuletos, peças e máscaras de ouro com pedras preciosas. Ao invés da agressividade expansionista a partir de centros bem dispostos, o português preferiu a segurança do litoral, que o deixava diretamente ligado à Pátria e ao Rei. Vale dizer que das primeiras leis que tentaram disciplinar a colônia, a mais importante foi de não se aprofundarem além do litoral, levada a cabo pelo governador geral Tomé de Souza. Coube a companhia de Jesus também estabelecer a principal forma de contato; suas escolas procuravam atrair e transformar o índio em um bom cristão. Foram eles a implantarem o que já foi citado acima como os meninos-língua, órfãos, tanto de Portugal como de mestiços dos portugueses com os índios e a língua geral, baseada quase que totalmente no tupi, língua que predominava no litoral brasileiro. Tamanho foi o desinteresse que durante os primeiros 200 anos, mal se formaram cidades no interior brasileiro. São Paulo de Piratininga era uma exceção, e Itu era a última ligação com o que chamavam de mundo civilizado e com os confortos parcos da vida na colônia. De Itu partiam as bandeiras que definiram depois as fronteiras do país e a formação de outras cidades.
O pecado invade o paraíso
Porém, a dissolução sensual também esteve presente desde o descobrimento e o colonizador, vindo de um continente onde a renascença e a contra reforma ditavam as regras, e onde a peste havia deixado enorme rastro de morte com a perda de amigos e entes queridos como algo sempre presente, foi nos trópicos que os navegadores procuraram consolo. Basta observar o primeiro olhar do colonizador em nosso povo, traduzido de novo na carta de Caminha; “...Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.”(CAMINHA. 1500)
Foram dessas aventuras que surgiram em terras brasileiras os primeiros mestiços. Forma eles fator chave nos primeiros séculos e formaram então no Brasil três núcleos de povoamento e mestiçagem nesse período inicial e tiveram como chefes e patriarcas Jerônimo de Albuquerque, Diogo Álvares Caramuru e João Ramalho, porém, todos os navios estrangeiros que aqui aportaram tiveram o mesmo problema de esbarrar em montes de mulheres e homens nus, que pouco ou nada sabiam do pecado e da queda bíblica. Aqui cabe citar Paulo Prado, em Retratos do Brasil;
“Os arquivos da Torre do Tombo forneceram os preciosos documentos da primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, de 1591-92. É um quadro impressionante do começo de sociedade que era a Bahia nesse findar de século...
Grande número dessas confissões, 45 em 120, referem-se ao pecado sexual. Na população relativamente escassa da cidade do Salvador e do seu recôncavo a repetição dos casos de anormalidade patológica põe claramente em evidência em que ambiente de dissolução e aberração viviam os habitantes da colônia... sodomia, tribadismo, pedofilia erótica, produtos da hiperestesia sexual a mais desbragada, só própria em geral dos grandes centros de população acumulada. Sodomita, esse vigário de Matoim, de 65 anos, cometendo atos desonestos com mais de quarenta pessoas, ou esse outro clérigo, Fructuoso Álvares, “homem velho que já tem as barbas brancas”, pederasta passivo, assim como o cônego Bartholomeu de Vasconcellos, apaixonado pelos negros de Guiné; e o sodomita incestuoso Bastião de Aguiar, menor de 16 anos que se ajuntava com o irmão mais velho e com um bacharel em artes, natural do Rio de Janeiro; e Lázaro da Cunha, mamaluco, que vivera cinco anos entre os tupinambás, “despido e tingido”, praticando com as índias o pecado nefando; .... Fernão Cabral de Thayde, que queimara viva uma escrava índia, grávida, e escolhera a igreja de Jaguaripe para os seus ajuntamentos e que diante de uma repulsa declarava, “trocendo os bigodes”, que isso tudo eram “carantonhas”, que uma bochecha d'água lavava; culpado de bestialidade, Heitor Gonçalves, confessando que sendo menino, de 8 a 14 anos e pastor de gado “nesse tempo dormira carnalmente por muitas vezes em diversos tempos e lugares com muitas alimárias: ovelhas, burras, vacas, éguas, etc., e afinal, notável pela sua posição social, o capitão Martim Carvalho, tesoureiro das rendas, amancebado publicamente com um joven que o acompanhava nas entradas pelo sertão. Esse, tão escandaloso, que fora recambiado para o reino por pecado de sodomia.”
Podemos perceber que mesmo os clérigos não conseguiram assegurar de modo definitivo a pureza devida ao paraíso. Incontáveis porém são os cadáveres dos aborígenes, cujo sistema imunológico não estava minimamente capacitado a enfrentar a leva de doenças trazidas pelos conquistadores. Por toda a cpsta populações inteiras foram dizimadas pelas doenças sexualmente transmissíveis.E quanto ao outro vértice? A pimenta do Brado “Jesus e Pimenta”? Como foi que se deu a exploração material de nossa terra?
Desde sua origem mal amada, a nação do brasilenses estavam sempre à mercê dos brasil-eiros, que também trouxeram para cá uma parte importante do que hoje constitui o Brasil: os negros. Diz Gilberto Freyre que o; “escravocrata terrível que só faltou transportar da África para a América, em navios imundos, os quais de longe se adivinhavam pela inhaca, a população inteira de negros...”
Retirados à força de sua nação, vieram substituir a mão de obra indígena que ofereceu oposição passiva (mas nem sempre) contra a escravidão; eles estavam em suas terras, e apenas se embrenhavam mais e mais para longe dos colonizadores.
Ao colonizador português pouco interessava o trabalho duro da lida diária. Tinha o espírito inquieto. Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico “Raízes do Brasil” relata que mesmo nas prosperas fazendas de açúcar, que fizeram primeiramente a riqueza do pais, o trabalho era feito de forma a tirar o máximo da terra, com o mínimo esforço. Ao exaurir demais uma propriedade, logo outra era criada. Mesmo o uso do arado, corrente em toda Europa, pouco era usado aqui. A ferramenta usada exaustivamente foi o escravo africano, e aqui se desenvolve outro drama; o deslocamento de milhares de seres humanos retirados de suas terras e de suas famílias, apinhados nos navios negreiros, vitima de fome e toda espécie de doenças.
Esses são os três povos presentes em nossa genealogia. O índio, cada vez mais açoitado por doenças, pelo zelo religioso, pela tristeza da perda de territórios que lhes eram caros, e pela perda de sua cosmovisão de mundo, de seus valores, totalmente opostos aos do colonizador português como se mostra neste trecho de Viagem à Terra do Brasil de Jean de Lery, citação encontrada na revista USP: “Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Contesta Levy que o pau-brasil é para fazer tinta, não queimar. O índio indaga razão para tamanha quantidade. Levy responde que existem negociantes que trocam pau brasil por mercadorias como as que são oferecidas ao índios. O velho tupinambá volta a insistir, perguntando;” Mas esse homem tão rico de que me falas não morre? - Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? - Para seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. - Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados” ( Berta G. Ribeiro – Revista da USP ), o colonizador que veio em busca de aventura e riqueza, se perdeu em busca de uma sensualidade proibida e trouxe consigo todo o arcabouço social, cultural e religioso, e começava a sofrer com a decadência de Portugal. 80 anos depois da descoberta do país Portugal passava para o rei Felipe da Espanha. A inquisição começava a tomar todos os espaços e as colônias da Ásia e da África começaram a escorrer pela mão dos colonizadores. De acordo com Gilberto Freire, o Português triste veio a ficar no Brasil Sorumbático e sonolento. Os colonizadores, os brasileiros, que aqui vinham apenas pela aventura, desejo de lucro fácil e fuga dos rigores da religião, não queriam ficar nesta terra. Aspiravam e desejavam o que jamais voltariam a ser; um povo de descobridores audazes e valentes, sem medo dos mares desconhecidos. Conquistadores, e não lavradores. Quanto ao negro, o que veio junto não foi só a tristeza, a saudade da terra natal. Mas da metade morria em plena viagem, que durava meses. Retratado de forma magistral nestes versos de Navio Negreiro, de Castro Alves
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Continua......
Mais uma aula de história. Excelente.